Desde Outubro que aqui não escrevia. Sou dessas que tem de rabiscar qualquer coisa todos os dias, que a vida sem expressão não faz sentido para mim. Desde Outubro que aqui não escrevia porque não tinha tempo. Havia sempre mais que fazer. Uma avalanche de afazeres que impulsivamente ia cumprindo, acumulando e cumprindo, numa correria impossível de atenuar até que alcançasse os objectivos a que me tinha proposto e que rapidamente seriam substituídos por outros, uns atrás dos outros. E passaram dias, semanas e meses em que só registei emoções no caderninho que me acompanha sempre e cujas linhas fui preenchendo durante uma pausa para café, numa esplanada de onde os meus olhos se podiam perder por entre os passos apressados da multidão que enchia os passeios da cidade. E quando senti que estava quase a chegar ao momento em que finalmente me sentiria realizada, feliz e com um dos meus maiores desejos concretizados, aconteceu.
Fui obrigada a parar.
Cancelaram-se as viagens, os trabalhos, as parcerias novas, os projectos.
Prefiro pensar que tenho a vida adiada e não cancelada.
Nas vésperas do décimo segundo dia do mês de Março, sentia-me rebentar de orgulho da minha determinação. Sabia que o meu mindset, a minha responsabilidade, a minha seriedade e a minha dedicação eram a razão para que o meu profissionalismo começasse a receber o reconhecimento que convictamente mereço.
E desde então, saudades. Das minhas pessoas, da bênção que é a liberdade, que tomei como garantida. De poder ir. De poder estar.
De sentir a areia debaixo dos pés e o mar tocar-me na pele despida. De sentir o cheiro da praia quando o vento acaricia o rosto. De ir jantar com o meu melhor amigo, que por ser médico, não sei quando voltarei a abraçar. De ir lanchar com as minhas amigas numa esplanada qualquer só porque o sol está tão agradável. De passear pela Avenida da Liberdade, de ir fazer sessões de shopping com os meus clientes, de atender mulheres na Dress. De comer amêijoas à beira-mar. De beber um café na marina da Expo, depois de almoçar no Tejo à Vista. De convidar as minhas pessoas para vir a minha casa. De os ver ao vivo, sem aparelhos entre nós - mas graças a Deus pela tecnologia. De ver a minha prima e poder tocar-lhe na barriga enquanto digo baboseiras para que o bebé conheça a minha voz. De sair para dançar. De ir beber uma imperial a Alfama e repetir que nunca gostei de cerveja. De não ter medo de me tornar germofóbica.
Que este tempo sirva para o que é preciso: para parar.
E que a paragem seja curta.
Voltei a ter tempo para escrever e não sei como deixei de o ter.
Voltei a ter tempo para escrever e não sei como deixei de o ter.