terça-feira, 18 de junho de 2019

«uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher»

Há dias assim. Acordo nostálgica, passo o dia de lágrima fácil.
Nada para contar, na verdade.
Sinto-me uma senhora idosa, daquelas para quem o tempo parou na recta final.
Daquelas que se perdem entre memórias antigas enquanto aguardam, pacientemente, que a água ferva para fazer o chá.
Daquelas que estão de pé, em frente ao fogão, sem reparar na beleza do limoeiro carregado que está do lado de lá da janela, no quintal que regam todos os dias, ao pôr do sol.
E às vezes fico nesse estado, de quem geme uma cantiga que lhe lembra um amor nascido, vivido e morto lá atrás.
Não tenho saudades de ninguém que esteja vivo e que já não faça parte do meu mundo. Talvez de uma pessoa, apenas. De um abraço. E sei que essa pessoa também tem saudades minhas porque fomos imensamente, adolescentemente, extraordinariamente felizes juntos.
Mas passou.
E continuo a amar cada fragmento de tempo vivido.
Mas passou.
Já não tem lugar em mim.
É só uma melancolia.
Sem querer voltar.
Aquela coisa indescritível que só uma mulher com uma vida cheia guarda no olhar.
Um samba da bênção no pestanejar, sabem?
Qualquer coisa que chora.
Um molejo de amor machucado.
Uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher.
E não sei se também acontece convosco, mas é nestas alturas que nos cruzamos com olhares de que já não nos lembrávamos. É nestes espaços de tempo, em que não nos sentimos presentes no presente, que regressam aqueles que já esperávamos desaparecidos. De quem já tínhamos esquecido. Dão sinais de vida, reiteram a sua existência como se não quisessem que o passar do tempo os apagasse.
Finjo não notar.
E ouço mais uma música, daquelas que me lembram outras fases, outras vidas, numa tentativa desesperada de expiar tudo o que pudesse ainda haver dentro de mim, revivendo outra Ana, com as mãos noutro volante, a conduzir por outras estradas, para chegar a lugares que já não são como eram.
Associo músicas a pessoas, a histórias, a lágrimas e a risos de outras épocas. E ao som delas viajo até lá, regresso e constato que estou sempre melhor onde me encontro do que nos sítios por onde andei.
Fico cansada.

E depois volto para o pragmatismo da minha vida agitada, com tanto para dar e ser que sinto que vou afogar-me neste mar de possibilidades. Então desejo ser como as outras pessoas. Simples. Fácil. Sem sonhos grandes nem expectativas elevadas. Sem esperar muito da vida. Sem esperar muito de mim.
No meio disto tudo, surge sempre a dúvida: estou ou não no lugar certo?
E depois admiro a minha força.
A minha esperança.
A minha fé.
E continuo, firme, a orgulhar a menina que fui aos quatro anos.
Caminhando a solo num mundo de loucos.
Erguendo um palácio sozinha.
Trabalhar por conta própria não é nada fácil.
Solto um palavrão, dos poucos que sei.
Estou quase lá.

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