terça-feira, 2 de agosto de 2016

As pessoas não gostam de honestidade.

Beyoncé
As pessoas não gostam de honestidade, dizia um amigo. As pessoas não gostam da coerência de quem age em concordância com o que sente ou pensa. As pessoas preferem o cinismo. É-lhes mais confortável a hipocrisia. Quem diz o que pensa, quem manifesta desagrado, é louco. 

Não sou dessas que dizem o que lhes apetece sem ponta de educação e de respeito pelo outro - essa é a versão enviesada, foleira e barata da honestidade. Erradamente, consideram-se honestos aqueles que deitam cá para fora toda e qualquer parvoíce que lhes passa pela mente, sem filtros, sem cuidado para não ferir susceptibilidades alheias e sem noção dos limites e das fronteiras do espaço privado de cada um. Não é com essa conduta que me identifico nem é a ela que me refiro. 

Quando o assunto é honestidade, falo da natural frontalidade que sinto como obrigatória em qualquer relação. Seja no campo profissional ou no meu círculo de amigos, tento sempre falar, ou não fosse mulher de Comunicação. Acredito que é através do diálogo que se resolvem e esclarecem todo o tipo de atritos ou mal-entendidos, embora por vezes me esqueça de que para haver diálogo é preciso que existam, pelo menos, dois seres humanos que cumpram funções de emissor e de receptor, caso contrário, a mensagem não é veiculada, recebida, interpretada, discutida. 

Às vezes, não serve de nada dizer. E quando assim é, se antigamente me dava ao trabalho de escarafunchar até receber sinais de vida do outro lado, agora não tenho pachorra: vou-me embora. 
Demorei muitos anos até perceber que não posso entrar na cabeça ou no coração dos outros e fazê-los ver, percepcionar e sentir o que eu sinto como real. Que as realidades variam de pessoa para pessoa, que cada um terá a sua verdade e que não me compete resolver todo e qualquer problema. 
Demorei mais anos ainda até perceber que só sou responsável pelo que digo ou escrevo, não pela interpretação que fazem disso.
E demorei uma vida até perceber que a única coisa que devo e posso fazer é proteger-me. É por isso que quando a energia não flui naturalmente, quando o clima me incomoda e começa a afectar a minha boa vibe, me afasto. 

Reparo que a maioria das pessoas que conheço teme tomar qualquer atitude que desagrade os outros, mesmo que os outros não tenham cuidado com elas. A maioria das pessoas que conheço teme o confronto ou qualquer postura que não seja adorável, gentil ou que represente um sacrifício qualquer. Por outras palavras, não querem que caia mal se fizerem o que lhes der na real gana. Então continuam a expor-se a energias negativas, continuam a ter contacto próximo com pessoas que não lhes fazem bem e cuja presença as incomoda, continuam a depositar em si rancores e a albergar ressentimentos, em prol de uma tradição ou costume que criaram nos seus cérebros. E esta resistência à óbvia mudança não é positiva. Mas já lá vamos.

O que me fez pensar nisto foi a simples observação de vários momentos e situações que vivi nos últimos tempos. Reflexão feita e concluo que eu, que optei por dizer e me afastar quando não me senti amada como mereço, bem-vinda ou agradavelmente recebida, dei por mim feita vilã, como quem perturba a paz do planeta por se preservar e estimar. 

Feitas as contas, só eu tomo conta de mim, do mais íntimo do meu ser, da minha alma. Não quero atribuir a ninguém a responsabilidade de interferir de algum modo na minha paz. É esse o único motivo que leva a que me resguarde de tudo o que não contribua para o meu bem-estar. E faço-o sem mágoas, sem dramas, sem fitas, porque aprendi que nesta nossa passagem por cá, as pessoas vão, voltam, surgem e tornam a ir, como tiver de ser. Quando desrespeitamos esses ciclos, sorvem de nós e nós poluímos o ar dos outros. E se assim é, mais vale aceitar e deixar ir, aceitar e deixar vir. Daí ter escrito que a resistência às mudanças não é positiva.

Sei que há pessoas com quem temos ligações mais profundas e que se vão mantendo ao nosso lado, mas também admito que sejam poucas. Num mundo povoado por seres que ignoram conceitos básicos e simples como a lealdade, não poderia ser de outra forma. 

Certeza de que não abdico é a de que não abro mão dessa transparência, dessa fidelidade ao Eu, de que a franqueza sincera e a negação da hipocrisia são estandartes. 

Há muitos anos, alguém me ensinou a depositar nos outros o peso que deixam em nós. A história era mais ou menos esta: certa noite, uma mulher já farta de sentir o rebuliço do marido pela casa durante as madrugadas, perguntou-lhe o que lhe tirava o sono.

«- Todos os dias, o Manuel me liga a perguntar se já tenho o dinheiro para pagar o que lhe devo. À noite não consigo dormir porque sei que me vai ligar pela manhã com a mesma questão.

- Ah é? Ele faz isso e é isso que te rouba a paz?

- Sim, porque tenho trabalhado imenso mas ainda não reuni o montante necessário e já não sei o que lhe responder.

- Deixa estar. Eu resolvo.»

Expectante e muito ansioso para descobrir que solução havia sido encontrada, o marido viu a esposa pegar no telemóvel, marcar o número do Manuel e dizer:

«- Manuel? Daqui é a esposa do Joaquim. É só para avisar que ele não vai pagar a dívida amanhã. Nem depois. Nem para a semana. Pode parar de ligar.»

Desligou imediatamente a chamada e perante a expressão incrédula do marido, saiu apenas:

«- Pronto, está resolvido. Podes dormir tranquilo que agora quem não dorme é ele!»

Permitam-me a analogia, é mais ou menos isto que me faz acreditar que a expressão do desagrado não é inútil. É que quando revelamos ao outro que não gostámos de algo, o peso sai de nós e fica do lado de lá. Retiramos de nós o que nos aumentou a carga e depositamos na origem. Claro que não defendo a acusação e o julgamento gratuito, mas creio que de uma forma saudável, é este desanuviar que ajuda a manter a paz cá dentro. Porque essa não pode ser abalada por atitudes que não foram minhas. 

3 comentários:

Anónimo disse...

Há quem chame a essa postura mau feitio, nariz empinado ou arrogância. Outros há que que lhe chamam maturidade, integridade ou ética. Eu vou pelos segundos. Muito bom texto.

Miss Seren disse...

Fiz uma purga no ano passado e arranquei da minha vida pessoas que só me passavam más energias e que não sabiam o que é ser-se amigo, ou gentil, ou humano. A minha vida ficou tão mais leve que só me arrependo de não o ter feito antes. Gostei muito do teu text e de te descobrir. beijinhos e boas férias.
Miss Seren

Lady Lamp disse...

Obrigada, Anónimo.

Obrigada pela partilha, Miss Seren.

Beijinhos*