quarta-feira, 15 de junho de 2016

Foste a minha última avó e eu a tua primeira neta.

Sete da manhã e eu continuava acordada. Sete da manhã e eu continuava a chorar. Que angústia. Acordei a saber que se passava alguma coisa, sem imaginar que terias partido. Mesmo quando estamos à espera, não esperávamos, não é? Mesmo que seja um alívio, é uma dor, não é?

Que ano do caraças. Pelo andar da carruagem, quando der por ela, este blog tornou-se num obituário. Tantas perdas, tantas lágrimas, tanta saudade. E a ti, sinto que já te tinha perdido muito antes que o teu corpo cedesse à morte. Deixaste de ser a Minha Avó Elvira quando as nossas conversas desapareceram. Foram demasiadas cirurgias, demasiadas chatices. Mas sei que já estás feliz ao lado do Vô António, de mãos dadas e aos beijinhos como quando me levaram ao Aquário Vasco da Gama. Ainda há dias revi essas fotografias. Vocês sempre me fizeram tão feliz. Nunca te disse, mas quero um amor como o vosso. E quero ser uma avó porreira, que anda de ténis e é diferente das outras avós. Quero ser a avó que transforma telas em branco em pedaços de arte para pendurar na parede. Que faz bonecas de gesso para as netas. Que decora um quarto com a cor dos teus olhos. Quero ter as estantes da sala cheias de livros que li. Quero continuar a escrever como tu sempre escreveste. E a sentir como sempre sentiste, mesmo que o escondesses.

A nossa conversa mais profunda de todas foi aquela na varanda da Tia Xana. Aquela em que me falaste da tua atracção por abismos, precipícios, pontes. O avô dizia-te "-E eu, Elvira?". E tu voltavas. E quando me disseste, em lágrimas, que não percebias porque ele te tinha deixado cá ficar, respondi-te: "-E eu, avó?". E quando pus a mão no teu caixão, na terça-feira passada, perguntei-te: "-E nós, avó?".

E eu?

Coça-me as costas. Faz-me a maionese de que nunca gostei porque prefiro Hellmann's. Deixa-me ouvir-te durante uma hora seguida ao telemóvel, como quando me ligavas e eu era só uma miúda a estudar em Coimbra. Responde-me às perguntas imbecis. Ri-te comigo. Faz-me cachecóis em tricot. Vamos almoçar fora. Vamos apanhar sol numa esplanada qualquer. Anda de mãos dadas comigo.

Já esperava há algum tempo. Isto de não conseguir ver-te sem desatar a chorar não fazia sentido. Há alívio aqui. E a certeza de que fiz o que pude, o que soube, o que consegui. Até o teu mau feitio durante aquele mês em que tomei conta de ti me faz sorrir. Pelo menos fui eu. Era o mínimo que podia fazer por quem me deu tanto. Minha Avó. Nunca te chamei avózinha e tu querias tanto.

Não sei se te agradeci o suficiente. Sei que sabes. Obrigada por me entenderes tão bem, é tão raro nesta família que me conheçam por dentro. Obrigada por me veres com os olhos da alma. Pelas tuas mãos nas minhas, desde que me beliscavas com o pico-pico-saranico. E que lindas mãos, Avó.

Tenho as tuas matrioscas à minha frente. Tenho coisinhas tuas em minha casa. São um orgulho, sabes? Sempre que digo "era da Minha Avó", há um bater mais forte do meu coração. Há de ti em mim. Por fora, mas tanto por dentro. Maria Elvira, espera por mim com o resto da comitiva - vocês são cada vez mais aí em cima. Dá um toque a Deus, preciso da atenção dEle. E descansa, ri muito, mata saudades do teu amor.

Até já.

3 comentários:

Isabel Margarida Simões disse...

Lamento muito pela perda da tua avó...
Na terça-feira dia 7, pelos vistos, tivemos um dia semelhante...

Joana disse...

Que homenagem linda. É um clichet mas acho que é verdade, só morre quem é esquecido...
Força!

Lady Lamp disse...

Obrigada, Isabel. Lamento que tenhamos tido dias parecidos. Um grande beijinho*

Beijinho grande, Joana.