quarta-feira, 8 de outubro de 2014

p r e ç o

Nunca fui materialista, apesar de alguns dos meus interesses serem facilmente confundidos com um certo tipo de futilidade consumista. É o caso de tudo o que se prende com o que deveria estar no meu closet. Gosto de imaginar as horas que um Valentino dos meus sonhos demorou até que pudesse ser vestido - o desenho, o molde, o cortar as peças de tecido, os bordados, os ajustes. Gosto das solas vermelhas do Christian. E da atitude de um Riccardo Tisci numa casa como a Givenchy. Gosto do bom gosto, do belo e do que me faz sentir alguma coisa. Não compreendo porque se afasta a Moda da Arte, como se esta última dissesse apenas respeito a telas, esculturas e instalações. Quando pela primeira vez vi ao vivo um par de Louboutin, comovi-me. De tal forma que nem quis experimentá-los - seria um sacrilégio fazê-lo: «Experimento quando vier comprar». Toquei-lhes, agarrei-os, embevecida. Os acabamentos, o design perfeito, a assinatura do criador. Enfim, quem ama peças usáveis é fútil, quem paga 3 mil euros por uma carteira é inconsciente, mas quem gastar o mesmo valor numa tela para ficar pendurada na parede e se disser amante da cultura, já é dotado de profundidade e erudição.

Considerações à parte, dizia eu que nunca fui materialista. É. Sempre fui de ideais, de querer ser feliz, de perder a cabeça, de viver em liberdade. Para mim, liberdade era sinónimo de fazer uso do livre-arbítrio. Saber o que fazer com o poder de escolha, decidir com consciência - podia ir por ali, mas prefiro seguir por acolá. Poderia ir ganhar dinheiro, mas prefiro ficar com a minha paz interior. Poderia gastar tudo nestas botas, mas prefiro poupar e viajar. Poderia largar o meu amor e ir construir a minha carreira, mas prefiro não sofrer com as saudades. Enfim, sempre fui mais preocupada com a minha paz, com a estabilidade emocional e com o sorriso, que com o dinheiro em si.
Até este ano.
Foi neste 2014 que me apercebi, apesar da minha privilegiada situação financeira neste país insólito e soalheiro, que a liberdade não é nada disso. A liberdade é o saldo da conta bancária. Mais dinheiro corresponde indubitavelmente a mais liberdade. Sem dinheiro, não há comida, não há banho, não há roupa, nem livros nem canetas.
E se já sabia que tudo tinha um preço, não queria acreditar que todos tínhamos um preço. Como as coisas que compramos. Este ano descobri o meu preço. Afinal também posso ser um bem que se comercializa. Tenho um valor que não me é atribuído apenas pela formação académica.

Mesmo a maior parte das pessoas que são bem remuneradas não recebe um ordenado justo. Somos mal pagos e os vencimentos não correspondem a uma vida agradável, servem para uma vida de subsistência. E a verdade é que não vivemos livres, se estivermos sempre a pensar em quanto custa fazer o que se quer, seja um curso, uma necessária compra avultada ou uma viagem. Não somos livres se tivermos um acidente de carro e entrarmos em pânico com o estrago, ainda que ninguém se tenha ferido - é como se a saúde não fosse mais importante que a despesa com o arranjo.

Descobri o meu preço e assumi que também me posso vender. Está a custar despir um ou outro sonho, deixá-lo no armário durante algum tempo, mas «camarão que não corre, a onda leva». É tempo de aceitar que o mundo não é hippie, que o amor não enche o estômago e que a realidade é crua: o dinheiro é mesmo importante. Não compra um romance como os dos filmes, mas compra as garrafas de champagne para nos enfrascarmos em bom. Não compra a felicidade, mas permite-nos ir curar um desgosto para a Croácia. Não compra tudo, mas ajuda a suportar o mau que sem ele, se torna ainda pior.
Quase nos trinta, já não há desculpas.

1 comentário:

Vânia Duarte disse...

este teu texto tocou-me tanto cá dentro, entendo tão bem isto e sinto exactamente o mesmo. tão bem escrito minha querida. gosto cada vez mais de te ler.