quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Do fundo da gaveta #4

Mais um texto de 2008. Parece ter sido um ano produtivo!

"Para que servem os momentos felizes, afinal? Qual é a utilidade dessa efémera sensação de embriaguez senão a sua posterior reprodução num poema cantado por um fadista melancólico ou numa suave bossa nova? “Tristeza não tem fim, felicidade, sim…” – e vivemos de memórias, de nostalgias, de saudades. Tristes já no início das coisas boas cujo fim prevemos. Não seria menos cansativo viver apenas do campo terreno, ignorando tudo o que ultrapassa a futilidade da vidinha medíocre? Talvez se nos focássemos apenas no objectivo, material e físico, almejando apenas os sucessos académicos e profissionais, vivêssemos em paz, adormecidos nessa progressiva rotina em que, degrau após degrau, nos vamos firmando em algo de concreto. Porque observo os que assim vivem (ou sobrevivem), sem intensidade e ignorando a vasta amplitude da existência humana e concluo que são cheios de uma paz de alma que quase invejo. Porque apesar de atrevida, diz-se da ignorância que também ela pode ser um caminho para a felicidade. E há muitos momentos de retrospecção em que dou por mim ardente de desejo por esse estado de cegueira. Contudo, sei no mais íntimo do meu ser que viver é um vício. É-me inconcebível uma existência anónima e sem sentido, como ovelha num rebanho. Nasci para ser a ovelha negra, a desgarrada, que prefere perder-se e encontrar-se que renunciar à exaustiva aventura de pensar e sentir, caminhando por onde todos caminham, seguindo o que todos seguem, gostando do que todos gostam… Não há escolha para mim. E vou morrer sem saber para que servem, afinal, os bons e curtos momentos que pontuam a nossa jornada, aquilo a que chamamos vida."

1 comentário:

Imperatriz Sissi disse...

Gosto muito. Por vezes é doloroso ter nascido com espírito, inspiração artística, um sopro de ambição saudável que nos eleva para mais perto dos deuses. É por isso que as pessoas sensíveis e criativas sofrem sempre um pouco. Não andam no mundo por ver andar os outros...