quarta-feira, 14 de março de 2012

de tudo o que é antes. - Terceiro.

Diane Kruger
O fumo do cigarro vagueia, ondulante. Assim vão os fragmentos de memória que tenta reviver. Todos os olhares revistos, todos os sorridos passados a pente fino. Procura neles, nos fragmentos, a resposta para aquela ânsia consumidora. A madrugada passa-lhe pelo tempo e o sono não chega. Deixa-se ficar recostada na chaise longue que decora o quarto vazio de gente, cheio de recordações. Está frio, mas sabe-lhe tão bem o momento silencioso que não ousa levantar-se para ir ocupar a cama que é grande demais para a sua solidão. Onde está só cabe ela. E deixa-se ficar, com o calor do cigarro entre os dedos e a camisa de noite de cetim verde a deixar passar o frio. Talvez se tenha tornado resistente às baixas temperaturas, de tão gélido o coração. Sorri quando o pensa, com o sarcasmo próprio de quem se sabe melhor que isso. Volta ao silêncio em que se sente confortável, fecha os olhos e volta àquele rosto. Lembra-se de que nunca reparou nas mãos dele. Serão bonitas? Será que em alguma fracção de segundo do seu dia ou da sua noite ela existirá nos pensamentos de quem a faz perder-se em si mesma durante tanto tempo? Será que ele sabe que ela queria ser especial para ele? Provavelmente, não. Ela nunca tornou palavra esse desejo tão secreto quanto absurdo. Há qualquer coisa no abismo que nos atrai, há qualquer coisa no olhar distante que nos prende, há qualquer coisa de apelativo naquilo que se revela inseguro. Talvez devesse apenas esquecer, mas ele mexe com ela sem ter que se esforçar. Essa magia apetecível deixa-a num doce estado de dormência que não enjoa. Vicia. E é envolta nessa meiga espera de que o sonho a adormeça, que dá por si sonhando, sem saber se acordada. E espera. 

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