quinta-feira, 5 de agosto de 2010

"A culpa não é minha!"

Blake Lively by Testino
Ia gritando de braços no ar. "Não sou eu!!!" - queria mesmo que os condutores enraivecidos e os peões que na dúvida me acenavam (não fosse eu ser uma conhecida que os cumprimentava entusiasticamente) acreditassem em mim. Não era eu que buzinava - era a minha carrinha, sozinha. Ela sempre teve tiques de quem tem vida própria: pára no início de viagens longas e decide fazer-me vir de táxi do Alentejo para cima. Também gosta de fazer fitas: engasga-se e soluça e faz-me andar, com tanto solavanco, qual nigga deleitado com o novo beat do seu rapper preferido, de cabeça em bruscos movimentos para a frente e para trás. Já ultrapassei muito Mercedes e muito BMW com esse estilo, cheia de swing. Também gosta de bufar. É arraçada de gato. Volta e meia, manda uma sopradela daqueles buracos de onde sai o ar condicionado. O bafo é tão forte e repentino, que além de me despentear, me seca os olhos de tal forma que já tive que parar para pôr uma gotinha de soro. Também não gosta muito de ouvir música. Enfim... desta vez apeteceu-lhe gritar e vai disto, toca a disparar a buzina feita maluca. Uma doida, rua afora, um estrilho impagável, uma vergonha descomunal e as lágrimas de riso pelo meu rosto abaixo. Uns acenavam, com cara de asnos "-Não a estou a reconhecer, mas pela festa que me faz, devemos ser grandes amigos... ora deixa cá levantar a mão..."; outros buzinavam, lixadérrimos, em resposta; houve quem simplesmente ficasse com o olhar preso. Mas pior que isto foi estar na redacção, ela estacionada no seu lugar à sombra e alguém dizer-me: "Lamparina, o teu carro está a buzinar sozinho!!!" - era um arraial montado. Só visto! Ela no meio do parque de estacionamento, num pranto descontrolado, urrando dores e mágoas que só uma viatura com maturidade semelhante poderia compreender... e os vizinhos todos com a cabeça de fora, nas varandas e nas janelas, tentando perceber que condutor furioso insistia naquele protesto. Houve várias teorias:
  1. Ah, porque entrou água na buzina. Pode ter sido, sim senhor. Há dias deparei-me com umas cem vespas à saída de casa a rondar a carrinha. Queria vir trabalhar, mas com elas ali não conseguia mesmo abandonar o lar. Vai disto e dei-lhes uma valente mangueirada. A janela do tejadilho estava aberta...
  2. Hmmm, cá p'ra mim é do calor. E como o calor dilata os corpos, pode bem ser isso. Ela passa horas ao sol e provavelmente, a doida da buzina inchou dentro do volante. Puxei a tampa para mim e resultou. Coloquei dois papelinhos da Telepizza a separar a tampa do volante da buzina. Já só apitava quando passávamos em cima de buracos.
  3. Então, isso deve ser um fusível. Pois deve.
A solução da Telepizza foi eficaz, mas nada bonita. Então foi para o mecânico. Diz que também tinha um pneu a abanar. É possível. Já tenho saudades dela, desde sexta-feira que não lhe pego. 

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