quinta-feira, 29 de agosto de 2019

o privilégio que é ficar offline

Desligar, não querer saber das notificações que proliferam no frágil ecrã (tão frágil como o estrangeirismo que lhe dá o nome) do smartphone. Não querer saber.
Quando a vida se adensa e os dias se problematizam, acumulando contrariedades um depois do outro, preciso de forçar o silêncio.
De forçar paz.
De forçar sossego.
Tem sido um Verão rico em mudanças de perspectiva, insights, de dar prioridade ao discernimento sério e pesado que nos compele à tomada de decisões.
Passei um dia de aniversário belíssimo, cheio de amor e de presenças imprescindíveis. Recebi, pela primeira vez na vida, um bolo de anos confeccionado pelo meu pai. Passeei por Lisboa com a minha mãe, que me ofereceu o mais bonito dos vestidos negros. 
Ao longo dos últimos meses, matei saudades de uma das minhas mais antigas amigas, abracei aqueles que vivem noutro continente e cuja ausência no meu quotidiano é sentida constantemente. Senti gratidão por ter sido lembrada de que ainda há amizades que se baseiam no respeito mútuo e que não se deixam abalar pela distância que nos afasta. Recebi os meus lisboetas em Pombal e em Lisboa, um pombalense e uma bracarense que podia ter sido fruto do mesmo ventre que me gerou, tão especiais os laços que nos unem. Levei-a aos fados, abracei-a e continuo a sentir saudades. Meti-me onde não era chamada porque sabia que não poderia tapar o sol com a peneira e isso trouxe-me paz. Vi as minhas plantas crescer, o meu manjerico dar flor, pisei areia molhada nos dias em que a praia se deixou levar pelo Verão. Deitei-me no chão com os meus gatos, cantei ao volante, dancei porque a música estava boa. Vi as horas num relógio de ananases. Reorganizei o meu closet. Nutri o meu cabelo, cuidei da minha pele e baldei-me com as refeições porque mereço ser feliz à mesa. Bebi aperol spritz porque me apeteceu. Perdi o olhar em pedaços de arte, abracei a Mana sempre que estivemos juntas. E ela, sem saber quão intensa é a sua beleza, sempre comigo.Vi coisas bonitas. Fiz coisas bonitas. Trabalhei mais do que ganhei.

E de repente, vi-me enrolada numa onda violenta, com a sensação de não ter saída possível.
Faltou-me o ar.

Lembrei-me do outro lado - daquele em que as pessoas não fazem coisas bonitas, não sabem o valor da palavra porque não tiveram berço.
Daquele em que o mundo não é para os bons.
Daquele em que a meritocracia é uma utópica ideia nascida num qualquer cérebro tão ingénuo como inexperiente.
E já não cantei ao volante.

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