quarta-feira, 30 de setembro de 2015

deixar o eu ser

Drew Barrymore
Não sei quando foi que aconteceu, mas podia apostar que tinha sido no dia cinco de Dezembro passado. Foi esse o último do meu contrato. Creio que nessa noite tenha sido inundada de liberdade. Mergulhada em liberdade. O frio na barriga, como a vertigem de quem se vai atirar de um precipício. O leve peso das asas. O vento gelado na cara. Foi aí que senti que podia voltar a mim. Ser eu. Expressar a minha opinião como e onde me apetecesse, sem o fardo da figura séria da jornalista. Deixei de me lembrar das expectativas dos outros, do determinado tipo de comportamento que esperam de nós quando trabalhamos numa cidade pequena. Saí do palco. Só quem se move em meios pequenos pode compreender a sensação, mas é um não querer saber que sabe a ondas. É um quero lá saber que sabe a mar. É um ser o que somos. Independente. Friamente. Livremente. E esta forma de estar, que já era parte de mim em tanto espaço da minha vida, apoderou-se, aos poucos, de cada recanto da alma. Quando dei por ela, era o que sou em todas as vertentes. Ser o que se é pode ser um desafio: afasta alguns, aproxima outros, mas torna-nos completos. Coesos. Dizer o que se quer, o que se pensa, o que se sente, sem ter em conta o que os outros esperam de nós, é ser leal. Poder fazê-lo é um privilégio. Requer coragem. Não tem a ver com aquela nova noção de honestidade que apregoa o ferir de susceptibilidades e a abolição do cuidado com o próximo. Não se trata daquele género de atitudes que defende que devemos dizer tudo o que nos passa pela cabeça e quem se sentir ofendido, paciência. Não é nada disso. É nutrir e exprimir, a cada acção, um profundo respeito pela nossa essência. É não tentar caber no agrado alheio. Isola-nos, claro. Porque agora não se conta o que antes era natural ou óbvio partilhar. Porque agora não dou o meu parecer porque não me apetece. Porque agora não perco tempo com o que não quero. Porque agora sigo as minhas normas, não as deles. Porque há uma clara tendência na maioria para amar os cordeiros do rebanho e desdenhar quem sai da norma. Mas quanto mais longe do mundo, mais perto de mim.

Sem comentários: