segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Susto.

Rachel Weisz
"- Não sei se não ficámos sem carro", dizia. Eu colava o telemóvel ao rosto, tentava falar sem que se notasse o choro e o medo deste lado.
O meu pai tinha adormecido ao volante. Despistou-se. Ele, que tantas vezes me contou que o cansaço o levara a parar o carro em qualquer lado para dormir um bocadinho e depois continuar a viagem.
A minha carrinha estava no arranjo desde a semana anterior, pelo que me senti impotente - chamo um táxi e vou ter com ele? Vou a pé? Vou demorar horrores se for a pé.
É que às duas e meia da tarde, enquanto eu arrumava a louça, toda a gente estaria a trabalhar. Vesti qualquer coisa e saí. Afinal o mecânico já tinha deixado a minha carrinha em frente ao consultório - Obrigada, Deus. 
No caminho, antecipava o cenário sem uma lágrima, que nos momentos de crise o sangue gela-me e sou incapaz de ficar quieta no meu lamento. Quando cheguei, olhei incrédula e vi um enorme aparato: o nosso carro ali, completamente destroçado. Já não consegui conter as lágrimas. A alegria de ver o meu pai de pé, intacto.
Liguei os quatro piscas, puxei o travão de mão, desliguei o carro. Lembro-me com tanta precisão de cada um destes passos e sem grande nitidez de todo o dia. Saio, quero lá saber do colete reflector, atravesso o IC8 e vou ter com ele à outra berma. Finalmente o abraço - Ainda bem que estás bem, pai!
Ver o nosso carro ali, destruído mas com o habitáculo inteiro - Obrigada, Deus.
O nosso carro ali, encravado num sinal de indicação "Expocentro, Osso da Baleia" que servira de travão para que o acidente não fosse pior - Obrigada, Deus.
"- Mas porque é que a menina não pára de chorar?" - perguntava o agente da GNR.
Não respondi.
"- Foi só chapa! Ninguém se magoou!"
Continuei muda. Os retrovisores partidos, os airbags expostos, os pneus com buracos, bocados de carro pelo chão, a porta amolgada, vidros partidos, cacos... - E se tivesse sido com a minha carrinha? E se tivesse sido pior? E agora? Vamos ficar sem carro? Vamos ter que gastar dinheiro com isto? Quanto dinheiro? 
O nosso carro, pá. Uma pessoa sente falta dele. A nossa família sente a falta dele. O carro não serve só para fazer as viagens mais longas em segurança, o carro é um instrumento de trabalho para o meu pai. E as viagens que tinha planeadas? E o aniversário da mãe, como vai ser? E... e quando chegámos ao mecânico, ele dirigiu o olhar para o carro em cima do reboque para depois me fitar com uma certa condescendência e dizer:
"- Meu amor, foste tu que fizeste isto?"
Ainda bem que não fui eu, ou o pai matava-me. 
E fiquei mais calma à noite, depois de saber que temos seguro contra todos os riscos. É só um incómodo. Foi só mais uma chatice no meio de tantas outras. E estamos todos vivos.

3 comentários:

Beadelicious disse...

A imagem de ver o carro, o nosso carro, destruído, é um cenário que deixa o estômago e o coração apertados. Não se trata de ser materialista, é um choque de realidade. Penso que uma sensação de impotência face ao destino, impotência e gratidão ao mesmo tempo. Um "felizmente acabou tudo bem", contrabalançado por um cenário que nos dá simplesmente...medo!
O que importa é que ninguém se magoou, foi apenas um dia mau.

beijinho querida**

S disse...

O que importa mesmo é que ninguém ficou magoado! O resto foi só um susto!
Bj S

Tamborim Zim disse...

Querida Lamparina, como lamento o sucedido, e ao mesmo tempo te felicito por tudo estar bem! Sei perfeitamente qual é essa sensação. Há cerca de dois anos, o meu pai tb adormeceu ao volante numa viagem maior. Houve capotamento, e ele e o meu tio lá se desarredaram do carro, sem que felizmente houvesse mais que ferimentos ligeiros. A minha irmã recebeu um telefonema do meu irmão a contar, e quando me disse que o pai estava bem mas q tivera um grande acidente, eu comecei imediatamente a chorar sem parança. De nervos, imensos nervos, de dor. Pelo que foi, principalmente pelo medo do q podia ter sido. Saí de casa e fui dormir a casa dos meus pais, abracei-o muito enquanto chorava copiosamente, com a minha mãe a dar-me água. Acredita q ainda hoje me enervo tremendamente ao pensar nisso, e fico sempre muito preocupada com viagens de carro. Mas felizmente... tudo acabou bem tb. Mil beijinhos.