SJP |
É que notei uma diferença brutal, não na minha maneira de ser, mas na minha maneira de agir. Não foi a minha vida que mudou por si, mas a forma como a vejo e a vivo. A perspectiva alterou-se e, com ela, também o modus operandi.
Passo a explicar: não foi há muito tempo que fui uma estudante de Coimbra como tantas outras. Vivi a tradição académica segundo as minhas preferências, que há coisas para as quais nunca tive muita pachorra. Conheci imensa gente, tanta gente. Acumulei experiência, feita de experiências que trouxeram lições. Segredos desta cidade, levo comigo para a vida. Aprendi muito, mais do que esperava. Mas não no curso, deixem-me ser franca. Dos livros, aprendi mais no Secundário que na Universidade. Estranho, não? Mas é mesmo assim. Ia andando por lá. Fazia cadeiras e quando não fazia, tentava outra vez sem ter noção de que me estava a atrasar. Estudei na véspera para algumas. Não queria ir ver as notas à pauta, o medo irracional acorrentava-me à casa de onde não queria sair. Passava de ano sem saber. Na altura das matrículas, lá me davam a conhecer as minhas notas e diziam-me que tinha passado de ano. Ia andando, vagueando, numa perfeita encarnação do boémio sonhador que de capa negra atravessa as ruelas da cidade, meio à deriva, sem saber onde termina o caminho. Sem saber quando. Sem saber para onde vai.
Parei de estudar porque sim, não interessa agora esmiuçar os motivos que me levaram a fazê-lo.
E logo depois, surgiu um convite para trabalhar exactamente na minha área. Claro que aceitei, ainda que cheia de medo - nunca achei que fosse capaz de trabalhar e sempre julguei que ninguém ia gostar de mim em nenhuma empresa. O estigma da antipatia persegue-me. Não tinha perspectivas. Era apenas uma forma de me manter ocupada até ao regresso aos livros.
Como sabem, voltei às salas de aula. E sou outra pessoa. É que o trabalho no jornal era feito de objectivos: todas as semanas, o jornal tinha que estar pronto. Artigos escritos, espaços preenchidos. Todas as semanas me eram dadas directrizes, tarefas a cumprir, para que o produto final se concretizasse. Entrevistas, casos, pequenas reportagens, denúncias, notícias, vox pops, fotografias, depoimentos. Cada trabalho terminado me aproximava da meta. E a soma de todos eles traduzia-se na maravilhosa sensação de dever cumprido. O meu espírito de sacrifício nasceu ali, naquela redacção. Trabalhar fins-de-semana seguidos, sem folgas, em prol de um bem maior. Não custava, sabem? E não era o ordenado que me incentivava, porque gostando, não precisava. Era a satisfação de ter cumprido o meu dever. Não me custava estar fechada numa Assembleia Municipal das três da tarde às onze da noite, num dia em que tinha marcado um jantar com o meu namorado. Não me custava atrasar a ida para as merecidas férias porque a entrevista ainda não estava editada. Não me custava chegar ao bar de sempre apenas à uma e meia da manhã, porque tinha ido cobrir um evento qualquer a São Jorge de Murrunhanha enquanto os meus amigos se divertiam com um Moscatel em cima da mesa.
Esta experiência mudou-me. Fez de mim a pessoa obstinada que não sabia ser. Tornou-me numa mulher responsável. Nunca tinha conseguido definir objectivos concretos para a minha vida. Estudava o que gostava sem saber bem para quê, eu gostava era de cantar ou de decorar interiores ou de desenhar roupa, talvez eu queira ser apenas escritora ou abrir o meu bistrot. Só sabia que queria casar e ter filhos, nasci para a família.
Hoje, sei bem para onde vou e o que tenho que fazer para lá chegar. Pelo caminho vão surgir imprevistos, mas estou focada, entendem? Sei o que quero. Sei que cada cadeira feita é um passo que dou para esse objectivo maior.
E o que mudou na minha maneira de agir, perguntam vocês? E eu respondo: sou mais dedicada. Vivo por objectivos, como no jornal onde trabalhei. Todos somados, todos concluídos, hão-de levar-me onde quero chegar. Organizei-me. E foi por isso que me tornei numa dessas alunas cromas, que se sentam na primeira fila, acenando com a cabeça em sinal de concordância com o que o professor diz. Dessas que emprestam coisas aos colegas e que tiram boas notas. Que não se permitem não fazer uma cadeira. Que não admitem uma falha. Que não querem perder tempo e se impacientam com a algazarra que alguns miúdos insistem em fazer nas aulas de onde elas querem sair com alguma coisa aprendida.
Não quero perder mais tempo.
A postura mudou, eu não. É que agora sei para onde vou.
13 comentários:
Lamparina, ao ler este texto dei por mim a pensar no meu próprio caso. Acho que comigo se passou algo parecido. No secundário era aquela aluna croma, 19's e 20's era comigo. Entrei num bom curso, e agora ando meia perdida sem saber muito bem para onde ir. Espero que depressa me encontre. Estou a fazer por isso. :)
Gosto dessa atitude. O melhor para teres o caminho definido, é teres hoje essa noção. De todos os erros que cometeste, enquanto andaste às voltas, em vez de optares por ires logo "a direito". Como agora! Continua assim, sei que alcançarás tudo o que deliniares como objectivos ;) Forçaaaa!! =P
Eu, espero encontrar-me, como já te encontraste. Também tenho os estudos parados. Caminho para a decisão final, para os retomar. Ao menos ando a fazer por isso ;)
Beijinhos*
compreendo-te tão bem apesar de achar que num ponto diferente da minha vida. Quando acabei o curso e mestrado sentia que apesar de responsável, objetiva, criativa, etc... nunca seria boa na minha área... aos poucos fui-me apercebendo que sempre tive essa insegurança que por um lado me provocou muitas horas de ansiedade mas tb foi sempre o 'motor' para tentar ser o melhor que podia :) A verdade é que, mês após mês, trabalho após trabalho, comecei a aperceber-me que na realidade poderia ser uma excelente profissional na área que fosse! Porque tento sempre dar o meu melhor...
agora tomando uma direção um pouco diferente: eu sou daquelas pessoas que gosta sempre de ter um plano, de ter um objetivo. No entanto, neste momento, apesar de ter emprego, não sei onde estarei daqui a 6 meses pois no último ano as minhas prioridades mudaram. Ontem depois do trabalho estava a ir para casa, pensei nisso e e cheguei a uma conclusão: sou daquelas pessoas cuja ambição é ser feliz e ter uma família :) se tiver estes dois 'suportes' não interessa se estou a trabalhar na área em que me formei ou se estou a limpar as ruas... Há quem n consiga ser feliz assim mas eu consigo e ainda bem :)
o comentário ficou um pouco maior do que estava à espera :)
bjo**
E é maravilhoso conseguirmos estar numa fase assim definida em que sabemos muito bem aquilo que queremos para nós e como queremos atingi-lo. Adorei o texto, menina lamparina. Eu fui estudante em Lisboa apesar de ser uma apaixonada por Coimbra, pela Serenata e pelo espírito académico. Quiseram as minhas opções que fosse uma estudante na capital mas é impossível não me sentir arrepiada com as sentidas palavras cantadas na escadaria da Sé. :)
Adorei o texto e a atitude. :)
Não há nada como ter certeza daquilo que queremos, pois alcança-se um estado de espirito quase obstinado, em que não importa o que nos aparecer pela frente, não importa o quanto custe lá chegar, não importa os desafios surjam entretanto, sabemos apenas que havemos de lá chegar. Tive um percurso um pouco diferente do teu, sempre soube para onde queria ir, sempre o quanto me ia custar lá chegar. Sempre fui um pouco daquelas pessoas que não me permitia não atingir um objectivo. Hoje olho para trás e tenho plena consciência do quanto me custou chegar até aqui, secundário, 5 anos de curso. Muitos sacrificios, muitas noites sem dormir, muitos momentos bons e outros maus.. Olhando para trás parece que passou uma eternidade, mas praticamente posso afirmar que consegui (está quase, quase).
Se segui a minha vocação, não faço ideia. Tenho muitos interesses, e também cedo percebi que nós somos capazes de quase tudo, e somos capazes de ser bons a quase tudo, tudo depende da dedicação, da humildade, e da perseverança, e acima de tudo de não desistir. Acho que se calhar, mais do que ter nascido para alguma coisa, não nasci para ouvir "Não és capaz", e ouvi alguns.. E contrariei todos, um a um, provando que era capaz. Para onde vou ainda não sei, sei apenas que vou continuar a investir o melhor de mim e esperar que isso seja suficiente! ;) Um grande beijinho**
Gostei muito do texto :) Eu pelo contrário, por vezes, sou demasiado dedicada e chateia-me mesmo que as pessoas não se dediquem. Porque se nós não nos dedicarmos, como é que vamos fazer este país andar para a frente? Por isso é que, tento sempre dar o meu melhor em tudo. Nem sempre consigo atingir o objteivo, ou a nota específica (ainda estou no 12º), mas pelo menos sei que dei o meu melhor.
Olá,
compreendo tudo aquilo que dizes.
Efetiva/ qd começamos a trabalhar já TEMOS UM OBJETIVO.
Esse objetivo muda-nos por completo. Começa no teu dia-a-dia, passa pela comunicação pessoal e formação interior.
Ora, quando sentes que sabes o teu «rumo» é normal, pq sabes o q já fizeste tens um termo de comparção e isso é sempre uma «mais valia».
Parabéns.
Bjs
Fica bem
Maravilhoso texto luzente Lamparina! Repleto de sentido e de amor pelo trabalho, pelo entusiasmo, pelo brio. E ainda q digas q é a atitude q muda e n tu, arriscaria q, c ela, tu tb mudas o teu pedaço. Acredito q mudamos:aos poucos, aos muitos, subtilmente, por vezes c uma consciência da mudança muito posterior, mas de facto n congelamos o ser. E q bom é isso! Beijinhos:) Q bom ler-te.
Quem me dera sentir-me assim tão confiante em relação aos meus objectivos. A verdade é que tive grande dificuldade em escolher o meu curso (psicologia), e agora, a meio do mesmo, sinto-me perdida, ainda sem a certeza absoluta de que fiz a escolha certa. Imagino-me formada, sem emprego, sei lá, tenho medo. Até estou a ter bons resultados, mas tenho medo que me venha a arrepender desta decisão...
Enfim, tenho um bocadinho de nada de inveja da tua confiança. Mas só um bocadinho! :)
é tão bom sabermos para onde vamos, para onde queremos ir! :) gosto disso! :)
beijinho*
Joana com "J" desenhadinho, acho que isso é normal. A primeira vez que me senti desapontada comigo à séria foi na faculdade, porque passei dos dezoitos para notas ridículas. Claro que te vais encontrar e quando deres por ela, apercebes-te de que sempre estiveste no sítio certo... :) Força*
Miss Pink, "fazer por isso" é o que é preciso para chegar à meta! :)*
É verdade, Maria... a vontade de ser melhor faz-nos melhores. E não me poderia identificar mais com o que dizes: o que me vai realizar, acima de tudo, para lá do sucesso profissional de que tanto preciso, vai ser a minha estabilidade - a família. :D :*
Fiona, Coimbra é perfeita para a vida académica, não para estudar e tirar um curso... :D Mas de facto, é óptimo saber o que queremos! :)*
Beadelicious, eu sabia onde queria ir, só não sabia que passos dar, em que caminho... deixei o percurso fazer-se sozinho. Quando temos muitos interesses, é difícil escolher um para focar a nossa atenção! E é claro que investir o melhor de nós é suficiente. Estou ansiosa para ver onde chegas! :)*
Girlfashioneye, também dei sempre o meu melhor até ao secundário... ou não tivesse tido só grandes notas. Mas depois tudo mudou e só agora voltei a ser a Menina Lamparina dedicada e com objectivos bem concretos. Espero que consigas atingir os teus! ;)*
LOL aos 40, a experiência é, de facto, a melhor escola. Ninguém nos ensina a viver, só a própria vida. Não houve cadeira nem professor que me ensinasse tanto como o trabalho! :D :*
Sim, Tamborim, tens razão. Cá dentro há qualquer coisinha que muda, mesmo que não o saiba definir... :)*
Vanessa R., um curso nunca será motivo de arrependimento, leve-te o futuro onde levar. Há desemprego, é um facto. Há dificuldades, é verdade. Mas acima disso tudo, com vontade e determinação, há oportunidades especiais para pessoas que merecem. Continua com os bons resultados, um passinho de cada vez, que basta a cada dia o seu mal. Stress por antecipação não ajuda em nada! ;)*
Mesmo, Rainha das Estrelas! :D :*
Beijinhos*
Já li este teu texto umas 3 vezes e nunca me canso. Revejo-me em tantas coisas...
Se bem que eras bem mais louca do que eu ;)
LOL Ana FVP acho que não era loucura... era medo. O estigma do grande potencial, do futuro brilhante, sempre me intimidou. E na faculdade, não era aluna de dezoitos. Foi fácil deixar-me levar pelo medo.
Ainda bem que já passou. :)*
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