sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O meu silêncio diz que estou habituada a ser maltratada.

Penélope Cruz
Quando comecei a namorar com o João (hoje vamos tratá-lo pelo nome), comentava com as minhas amigas que tudo era estranhamente bom. Na verdade, estranhei tudo o que deveria ser natural num casal. Estranhei que fosse tão atencioso, que me mimasse, que quisesse estar comigo só por estar, que não me mentisse, que me aturasse, que me fizesse surpresas, que me tivesse como uma prioridade, que me ouvisse, que não me mandasse parar de chorar, que não me fizesse chorar todos os dias, que me oferecesse flores, que fizesse planos comigo, que quisesse cumprir esses planos, que fosse às compras comigo, que adorasse a minha família, que quisesse estar em minha casa, que cozinhasse para mim, que não tivesse pudores em mostrar ao mundo que gosta de mim, que gostasse de mim, no fundo. Inevitavelmente, cheguei à conclusão de que estava mesmo habituada a ser maltratada. Para mim, o habitual era sentir-me como um extra, um acessório, algo que não estando incluído na vida dele, lhe era útil de quando em vez, ainda que soubesse que isto não era normal e que estava longe de ser o que eu queria para mim. Ninguém quer ter um namorado que nunca pode estar com a sua namorada. Segunda-feira estava cansado porque estávamos no início da semana e tinha trabalhado imenso, terça-feira havia bola com os amigos, quarta-feira eu só não percebia o cansaço porque estudava e não tinha responsabilidades nenhumas, por isso exigia tanto dele, quinta-feira não lhe apetecia sair de casa mas eu apanhava-o no café com os amigos apesar da exaustão, sexta-feira era dia de sair com os amigos, sábado nem pensar porque há tanto para fazer durante o dia e à noite era mais apetecível sair com os amigos e micar uma ou outra gaja, domingo é para descansar e... enfim, eu ficava feliz quando ele me telefonava uma vez por semana. Eram muitas mentiras, muitos esquemas, muitos dramas. Não quero ser injusta e não mencionar que se não existisse algo de bom, provavelmente não tinha ficado ali encalhada tanto tempo, mas estava muito, mas muito longe de ter a relação com que sempre sonhei. E é aqui que entra o João: com ele eu tenho essa relação. Mas há momentos em que as cicatrizes que os nove, quase dez anos de martírio deixaram cá dentro ainda me fazem reagir com a intempestividade de quem não se quer ferir outra vez. E é isso que o meu silêncio diz.

6 comentários:

Ritititz disse...

Melhor guardar em silêncio e só para ti quando essas cicatrizes, seja porque motivo for, ainda se fazem sentir. Melhor isso do que atacar a pessoa que te faz bem, que te trata bem, que nada tem a ver com aquilo que viveste até então. As cicatrizes são tuas... és tu quem tem de saber viver com delas. (isto serve para mim também).
Beijinhos

Anónimo disse...

As cicatrizes, para seres feliz, tem que ser esquecidas. Eu percebo muito bem o que dizes. Já me prejudiquei muito por reagir a viver ainda com as cicatrizes. Hoje sei, que estas tem de ser esquecidas para viver um melhor presente. Quer dizer, para viver MESMO o presente. Ter cicatrizes, faz-te viver sempre no passado. Faz um esforço e "tapa-as".

Beijinhos e muitas felicidades =)*

Lady Lamp disse...

Nada a acrescentar, Ritititz. So true. Até fiquei meio envergonhada...

Miss Pink, eu tapo as tais cicatrizes, mas a maquilhagem com que as cubro desaparece num instante... quando não estou à espera nem me lembro que elas podem abrir novamente.

Beijinhos às duas*

Tamborim Zim disse...

Olá Lamparina! Vim aqui parar por acaso e achei este post muito interessante. O q dizer mais? Bom, talvez que a melhor forma de viver seja entender a vida como uma viagem. Daquelas em que queremos fruir tudo ao máximo e que, por isso mesmo, nos exigem uma tremenda (ainda que, por vezes, custosa) economia de iras e de permanência das coisas más ou menos boas, em prol da bonomia da "próxima estação".
Para mim, nem será tapar, ou esconder. Trata-se mesmo de esgotar o mau impacto de más vivências dentro de nós, retendo os ensinamentos úteis. Temos sempre de regenerar a pureza das boas oportunidades.
Tudo de bom e...boa viagem:)

Lady Lamp disse...

Olá Tamborim Zim, bem-vinda! :)*
Sente-te em casa.

Interessante perspectiva, essa. É que "esgotar o mau impacto de más vivências dentro de nós" é exactamente o melhor a fazer.

Não esquecer, mas não permitir que façam estragos no que surge de novo. E fazer uso dos ensinamentos úteis para que não haja espaço para a repetição de erros.

Beijinho*

Tamborim Zim disse...

Muito obrigada Menina Lamparina:) Revisitarei com certeza.
Beijinhos.