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Roisin Murphy |
É um interesse desmedido. Interesso-me genuinamente pela pessoa, pelo ser, pelo indivíduo. Pelo sujeito da frase vocalizada. Pela alma que os olhos me mostram. É ver para lá do invólucro. Esquecer a carcaça a que cada alma se confina. Não somos o que os outros vêem, já que por norma sou vista como alguém muito melhor ou muito pior que na realidade sou. É um erro comum, algo banalizado, generalizado. Mas nem por isso deixa de ser um erro. No meio de toda a confusão de ideias preconcebidas a meu respeito, resta-me idealizar a pessoa que quero ser e caminhar para ela. Quanto aos outros, esses todos que se cruzam comigo mesmo que não o notem, tento vê-los para lá da pele. E então, inevitavelmente, me causam uma de duas sensações imediatas: repulsa ou atracção. Habitualmente, o meu instinto não falha e quando tento ignorá-lo, contrariando a vontade de me afastar ou de me aproximar, a Vida acaba por revelar que isto do sexto sentido deve mesmo existir e que, portanto, não devo deixar de lhe prestar atenção. Não quero falar da repulsa, que essa terá outro post só para si. É da atracção que vos falo. Recordam-se da facilidade com que fazíamos amigos enquanto crianças? Bastava que estivesse num restaurante com os meus pais e visse por ali algum miúdo da minha idade. "Posso sair da mesa?" - perante a resposta afirmativa, lá me enchia de coragem para fazer a mais amorosa pergunta do mundo - "Queres ser meu amigo?". Com o avançar dos anos, os índices de cinismo vão entorpecendo a natureza ágil da interacção humana. Há pessoas que me interessam, com quem até poderia ter vontade de conversar, de estar, de fazer nascer uma amizade, mas que por timidez ou vergonha pura, não as abordarei, ainda que as conheça de vista há tempo suficiente para ultrapassar a barreira do bom-dia-boa-tarde. O estranho é que há casos em que essas pessoas surgem nos meus pensamentos nas mais variadas alturas do meu dia. Dou por mim a secar o cabelo e a perguntar-me porque raio lê ele os mesmos blogues que eu. Enquanto corto a alface para a salada, tento perceber como terá sido possível que aquela fulana tão à frente e com tantos interesses em comum comigo tenha sido rejeitada por beltrano que é tão labregão. Não sei o que hei-de calçar nem como raio cicrano terá descoberto o meu blog, apesar de nunca termos falado nem sermos amigos no Facebook. E depois tudo isto se agudiza quando crio uma personagem, baseada apenas naquilo que imagino que possa ser a personalidade do centro da minha divagação. Quando acordo, já inventei um conto pronto a publicar. Já há muito tempo que um dos meus passatempos preferidos é sentar-me numa qualquer esplanada e ver quem passa. Ver quem se senta. Ver como são, os traços, o rosto, o cabelo, a fisionomia. Ouvir as vozes. O que dizem. O que terão para contar. O que escolheram para vestir, que adornos, o que dizem essas escolhas sobre o que são ou pretendem ser. De onde vieram? Para onde vão? Terá sido traída? De quem será filho? Que pessoa lhe foi roubada pela morte? Que sofrimentos lhe deixaram cicatrizes? O que lhe escureceu o semblante? Que dores sente em cada passo?
A gente, as pessoas, têm tanto de fascinante como de belo e de horrível. E eu poderia perder horas a dissertar sobre elas.
6 comentários:
Adorei o texto! hahah apesar de te ver todos os dias no sco, descobri o teu blog através da clinique. beijinhos
Fantástico !
Revi-me em cada coisinha que disseste.
Gosto de ver gente, de imaginar as suas vidas, os seus porquês, questionar as escolhas, reparar. Observar. Sei lá, gosto !
Gosto de me pôr a pensar nas coisas mais espatafúrdias do mundo, no "porquê eu", no "porquê assim", no "será", no "e se".
Todos os dias há uma qualquer personagem que acabo de criar, por um qualquer motivo. Todos os dias penso "e se" e pimba, mais qualquer coisa que surgiu.
beijinho
Ana Portela: Pombal? OMG fico tímida quando isto acontece ahahahahah SCO, meu Deus? Claro que já vou tentar saber quem és. Sabes quem eu sou, portanto. Oh pah. LOL É a segunda vez neste mês que me acontece saber de alguém de Pombal que me lê e que não sei quem é... ahahahah Só que o cicrano* é mesmo um homem de que te falarei quando for oportuno. Leia-se, quando te descobrir pelo sco. :D
Beijinho cheio de vergonha*
*"nem como raio cicrano terá descoberto o meu blog, apesar de nunca termos falado"
Mariana: Cá para mim, não é mesmo obsessão nem paranóia. É excesso de criatividade. :D
Gosto muito de saber que não sou a única a adicionar vida à vida, já que às vezes ela não tem piada sem os "será", "porquês" e "ses" com que a colorimos.
:*
Sempre gostei de ler o que escreves. Talvez porque consigo sentir e perceber o que queres transmitir, e de certa forma, captar toda a emoção com que escreves! curiosamente, tenho este á vontade de comunicar contigo desta forma: via redes sociais. Pelo contrário, e apesar de nos conhecermos (de vista), sinto que conheço melhor a menina lamparina, do que a Ana...há ligações que não se explicam...
Sou um pouquinho mais velha que tu, mas sinto (não sei porquê) que de qq forma me identifico contigo, qd tinha a tua idade! Engraçado...
Bj
A menina lamparina é a Ana sem armaduras. Sem timidez, sem tantos pudores como no dia-a-dia, sem protecções, sem as muralhas erguidas para que não entre ninguém. E talvez essa sensação de que falas, de conhecer melhor a menina lamparina que a Ana se deva apenas ao facto de não nos encontrarmos tantas vezes quanto isso sem pixels à mistura. :)
Fico feliz por haver quem leia mais que as palavras e é sempre reconfortante saber que há quem se identifique connosco... Já não somos os únicos a olhar o céu.
Obrigada - por leres e pelo comentário.
:)*
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