quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Basta a cada dia o seu mal.

Sarah Jessica Parker and Matthew Broderick
Talvez o que nos faça funcionar tão bem enquanto casal seja a fantástica comunicação livre de pudores que desenvolvemos. Já repeti inúmeras vezes que ele não é apenas o meu namorado ou o meu noivo, mas também meu amigo. Grande amigo. É o abraço que me espera depois de um dia menos bom, é o peito onde encosto a minha cabeça, é a mão que seca a minha lágrima. Lamechice e verdade pura. Na verdade, a nossa comunicação vai além do que julgava ser possível entre os dois elementos de um casal. Não há medos na exposição das dúvidas que também nos assolam. Desde o início que assim é. Lembro-me de ser franca desde o primeiro dia em que o mandei à merda. Achava impossível que resultássemos. E dizia-o abertamente, sem eufemismos. É que o momento em que achara viável o nascimento de um namoro entre nós já tinha passado há muito tempo, tanto tempo que me esquecera por completo da hipótese de um "nós" constituído por mim e por ele. E dia após dia, fomos fomentando essa transparência quase bruta, em que tudo é falado, antecipado, meticulosamente analisado. Deixei-me levar e quando dei por ela, já respondia afirmativamente ao pedido de namoro. Quis ser feliz. Deixei para trás o que me prendia ao passado e atirei-me de cabeça. Só podia correr bem. No calendário, não passaram muitas folhas, mas parece que estamos juntos desde sempre. E com um casamento no horizonte, não quero que mude nada. Recuso-me a deixar de ter tudo dito.
Os últimos tempos não têm sido fáceis para mim. Na verdade, isto tem sido lixado. Arriscaria dizer que tem sido uma bela merda. Tenho tido o mundo a desabar aos poucos, a fachada a ruir, o chão abre debaixo dos meus pés. Tenho gasto mais tempo a preocupar-me com o que me rodeia que comigo mesma. E a certa altura, olhei para o meu anelar esquerdo e vi o anel que ele me deu naquela manhã de sábado, num hotel da Avenida da Liberdade, e tive medo. Pela primeira vez, tive medo. E tive medo de lhe contar dele. No nosso café a dois, abri o coração e verbalizei os temores. Sabem, não tenho medo de deixar de o amar. Nada disso. Tenho medo de assumir um compromisso que ninguém se sabe capaz de cumprir. Ninguém casa na mira de se divorciar. Quantos casais felizes, apaixonados e cúmplices sobem ao altar para depois, passados meses, anos, décadas, decidirem seguir caminhos distintos? Como podemos prometer ficar ali, um para o outro, durante toda uma vida? Isso existe mesmo? E se ele encontrar uma Menina Lamparina ao cubo? Vou ser mais uma mulher traída, sofrida, amargurada? E se eu quiser abandonar tudo e seguir um qualquer sonho estúpido do outro lado do oceano?
A resposta dele foi a melhor do mundo. Adulto, sério, real. Acalmou-me. É tão bom saber que continuamos realistas acerca deste nós tão improvável. Saber que apesar de estarmos prestes a realizar um sonho, permanecemos de pés bem assentes no chão, pragmáticos, racionalizando cada pormenor. Disse-me que o medo de falhar é humano e recordou-me de que sou humana (às vezes esqueço-me). Lembrou-me de que cada caso é um caso e que não temos de praticar erros alheios na nossa existência. Aliás, esses erros servem já de alerta. Afastou-me dos maus exemplos. Acordou-me para o hoje.
Tive a certeza de que ele é o tal quando, discordando dos meus propósitos, me acompanhou numa tarefa inglória, só para estar ao meu lado. Continuo a ter a certeza de que o quero sempre comigo e de que quero estar sempre com ele. E vou aprendendo a viver um dia depois do outro. Hoje. Depois amanhã. Porque basta a cada dia o seu mal.

2 comentários:

Mariana Costa Veludo disse...

Verdades nuas e cruas !
Medos todos temos, todos pensamos nos "ses". Hoje, amanhã ou depois receamos as nossas escolhas, receamos o que pode ou não acontecer. Não deveríamos pensar nisso, mas é quase impossível. É quase impossível não sonhar com o futuro perfeito ou imperfeito.
Um dia de cada vez, alguém dizia que devíamos viver assim e se calhar deveríamos fazê-lo mesmo, não sei.
Sê feliz com ele, upa ! Sê feliz ! Se um dia já não forem felizes essa transparência brutal - que é tão boa e tão rara nos dias de hoje - vai fazer-vos falar e tomar a melhor das decisões.

Lady Lamp disse...

Viver um dia de cada vez sem preocupações com o que ainda não existe deve ser tão bom... Tens razão: a conclusão do teu comentário é tão correcta, Marianinha. Obrigada :)*