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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Meu Moquifo

Vou mudar de casa.
Vou deixar estas paredes que foram o meu escudo nos últimos anos. Foi aqui que tive muitos medos, foi aqui também que os libertei. Chorei muito, diverti-me tanto. Foi neste lugar que nos apercebemos da força da tríade que somos. Foi aqui que me senti desamparada por todos os que já não moram em mim e que abri os olhos para entender que afinal já tinha comigo todos aqueles de quem precisava.

Olhando para trás, apercebo-me de que foi nesta casa que me tornei na mulher adulta e equilibrada que sou hoje. E é inevitável a gratidão. Foi enquanto vivi nesta casa que me tornei consultora de imagem, que aprendi a navegar na tempestade e que me atirei de cabeça à aventura. Foi enquanto vivi nesta casa de que agora me despeço que sonhei muito do que estou finalmente a concretizar. E foi enquanto vivi nesta casa que me permiti conhecer-me profundamente. 

Não que não fosse madura - nada disso. Não que não fosse responsável - nada disso. Mas foi neste período de tempo que me tornei nesta pessoa tão diferente daquela que fui. Era mais menina, mais ingénua, mais crédula. Menos serena, menos sensata, muito menos consciente.

E esta casinha, que carinhosamente apelidámos de Moquifo, fez-me sentir protegida, apesar da grandiosidade do mundo assustador lá fora. Chegar a casa era mesmo isso. Cheguei a casa todos os dias a gostar do sítio para onde vinha. Tomei conta dela o melhor que pude e custa tanto sair daqui.

Queria comprá-la, na verdade. Ainda não posso fazê-lo. Queria que fosse minha para poder torná-la no apartamento que merece ser. Saio com lágrimas, confesso. E quis tanto encontrar outra casa que parece ironia tanto choro na despedida. 

É que quando cheguei, decidi que seria provisório. Em breve iria encontrar uma casa melhor. Mas não apareceu e ela aconchegou-me. Foi-me abraçando, testemunhando os meus lutos e as lutas que travei. Ouviu os meus desabafos, prantos e orações. Viu recuperações impressionantes, de uma força indescritível. Foi cenário de muitos jantares bons e recebeu-me de braços abertos de cada vez que cheguei de uma noite comprida ou de um longo dia de trabalho. Todos os meus amigos e familiares se sentiram bem no Moquifo - a casa tem uma energia própria tão amorosa! A Carmen fez dele também a sua casa e eu fui-me aninhando. 
Passámos a ser as Princesas do Prédio, num prédio cheio de velhinhos que nos tratam pelo primeiro nome, que me ajudaram quando o carro avariou sem que pedisse nada, que me fazem sentir acompanhada mesmo quando estou sozinha em casa. E depois o conforto estendeu-se ao bairro e quando dei por mim este cantinho de Lisboa já era um pequeno Pombal na capital. E que bom. Foi tão bom que nem acredito que vou mudar.

E não contenho o choro porque todas as mudanças me transtornam - até quando o telemóvel se avaria e tenho de começar uma relação do zero com outro. Gosto de sair da minha zona de conforto, sei que é indispensável ao crescimento e tenho plena convicção de que todas as transformações nos abrem caminhos novos, melhores. Sei que tudo contribui directamente para o meu bem. Mas sou de saudades e já sinto saudades do meu Moquifo.

Se fosse gente, abraçava-o. Agradecia-lhe por me ter abrigado como pôde. E agora parto para outra casa, mais nova, com vista para o Tejo e não deixo de me sentir ridícula por não me sentir como imagino que a maioria das pessoas se sentiria, numa incontrolável excitação por saber que se muda para algo melhor.

Eu sei que vou gostar. Mas porra, o Moquifo foi uma boa casa. 
E vê-lo assim, a perder o que lhe imprimi de mim, a ficar vazio, faz-me chorar por saber que chegou ao fim aquela fase. Ficam as memórias. É tempo de avançar.

Quem sabe se um dia não o compro?

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