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Aquela mulher não parava de falar na filha. Parecia o Hugo em relação à Ana, do Casados à Primeira Vista entendedores entenderão: qualquer conversa ia dar à cria, numa constante devoção em cada palavra. Amor, diriam alguns. Obsessão, digo eu. E se disso suspeitava após uma hora de constantes alusões à criança, confirmei o meu feeling quando a ouvi começar uma frase dizendo «desde que perdi a minha identidade».
Uma vez jornalista, para sempre jornalista, portanto não consegui conter a minha questão e perguntei de rompante o que tinha querido dizer com aquelas palavras. Respondeu que tinha perdido a sua identidade no momento em que fora mãe: «Na maternidade toda a gente me tratava por mamã e eu entendi que tinha deixado de ser eu para ser a mãe».
Fez-se silêncio.
Sou muito transparente nas minhas reacções e o meu rosto é imediato na expressão do que a mente está a criar. Atenção, não foi reprovação nem julgamento. Foi surpresa e pena. Não é preciso viver a experiência da maternidade para saber que o nosso eu não deve ser mais que ampliado. Deixar de ser eu, anular-me, assumir que quem sou agora em função de um elemento externo - um cargo no trabalho, uma relação, um filho - não é obviamente saudável.
É natural e desejável que nos permitamos evoluir, que nos transformemos e sejamos moldados pelos acontecimentos que vão surgindo, que nos marcam, nos ensinam, nos constroem e nos revelam. Mas que não sejamos apenas uma faceta do todo que podemos ser. Que não sejamos apenas a mãe de fulano, a mulher de sicrano ou a sócia de beltrano. Que tenhamos sempre zelo pela nossa chama, que cuidemos dela todos os dias. Além de ser primordial para a pessoa que somos, só assim poderemos iluminar também quem nos rodeia.
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