Já não sentia nada. Nem bom, nem mau. Às vezes, pena. Em alguns momentos, raiva. Todos os dias, gratidão. E os dias eram mais simples, menos intensos, menos emotivos. A turbulência ficou lá atrás, no meio dos destroços. Tinha saudades, por vezes, da tempestade que nascia no peito por causa de nada. Ficou como uma aldeia vazia depois da guerra; só de imaginar o trabalho que a reconstrução viria a trazer-lhe, desistiu. Os ombros caídos, a resignação, o olhar sem aquela excitação dos vivos. Mas bem. Em paz. O barulho do vento sossegava tudo. O silêncio sussurrava-lhe que a aceitação era o melhor dos caminhos. E ela seguia. De que valeria ter vontades, quereres, desejos, se acabaria por acontecer apenas o que tivesse que acontecer? E os dias iam passando, calmos, numa apreciação constante das pequenas coisas, do rio a beijar as margens, dos pássaros a bailar no céu, das pessoas a circular pelas ruas e a enchê-las. Ela, parte da cidade, como os prédios, observando. E lembrava-se dos olhares, tantos olhares que já não se cruzam com o dela. E tinha pena de ter deixado de ser quem era, de ter sido abalroada por tanta brutalidade. E ia andando.
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