segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Só tenho 27 anos e no meu currículo já consta que trabalhei num jornal extinto.

Amanda Seyfried
O dia que me levou a escrever este texto lavada em lágrimas foi inesquecível. É que não fui despedida nem me despedi. Foi um mútuo acordo, forçado e estranho... é que o meu orgulho obrigou-me a dar o primeiro passo porque já sabia que rumo teria na empresa. Há meses que o clima era muito tenso e a faca e o queijo não estavam do meu lado. Topei as jogadas com antecedência, fui avisada por quem tinha como superior e aliado. A nova pseudo gestão ia dar cabo daquilo e eu seria o primeiro alvo a abater, já que era também o mais fácil: trabalhava ali há ano e meio, sem contrato digno.
O regime de recibos verdes nunca foi um problema para mim, dado que aquilo era uma ocupação séria, não uma carreira a construir. Como já vos disse, os meus objectivos nunca passaram por um jornal regional. Ainda por cima gostava não só de como me mantinha entretida, mas também de como me fazia sentir útil. Era viciante. Principalmente porque a equipa que me acolheu tinha tudo de bom, era impossível não estar feliz no trabalho. Amigos para a vida, sabem?

Analisado o panorama e chegado o fim do mês, decidi ir ao gabinete de quem achava que mandava:
- Amanhã não preciso de vir, estou correcta?
- Não, não precisa.
Foi assim. Curto e grosso. Esperado e inesperado. Sem humanidade e com toda a arrogância que quem se julga superior pode utilizar. Mantive a pose e ainda mandei umas bocas com elevação, mas hoje vou confessar-vos que fiz o caminho para a redacção com os passos mais pesados do mundo. As lágrimas corriam por detrás dos óculos de sol. Nunca aquele caminho me parecera tão longo.
Quando cheguei, estava um jovem à espera de ser entrevistado para um artigo a sair na edição seguinte. A editora estava ocupada e eu fiz o trabalho, toda sorrisos. Escrevi o texto, guardei-o. Só depois fui dar-lhe a notícia. Nem ela sabia que a partir do dia seguinte já não me teria na redacção.
Já passou mais de um ano desde esse dia, mas lembro-me de tudo, de cada pormenor, como se tivesse sido ontem. Na altura, disse que não tardaria a gratidão... nem suspeitava de quão carregada de razão estava. Não demorou até que me sentisse grata pela amarga saída. Foi no tempo certo.
Meses depois, saiu a editora. Depois, o director executivo.
Quem me dera ser protegida pelo anonimato e poder contar-vos as estórias maquiavélicas que entretanto ficaram escritas na história daquele que não era já o nosso jornal. Toda uma trama digna de filmes sobre a máfia e submundos similares. Não posso, infelizmente. A liberdade de expressão não é linear e não me apetece ser processada por difamação.

Conclusão: aquela que achava que mandava, foi à vida. E na semana passada, o jornal fechou. Acabou. Morreu. E eu fiquei com pena porque a minha cidade já não tem um único jornal. Tenho pena de ver afundado um barco que poderia navegar muito, de ver extinto um projecto que tive como meu, a que me dediquei diariamente, vestindo a camisola 24 sobre 24. Simultaneamente, achei uma certa graça quando reparei que o seu último ano de vida, depois da saída de todos os que não prestavam para trabalhar ali, não foi mais que uma morte lenta. Pelos vistos, a nova gestão não era assim tão boa. O sentimento é mais ou menos este. Como se diz por aí: quem ri por último...

Nota: Ana Formigo, não sejas negligente, querida. Encontra outra paixão, que o Jornalismo não é boa ideia. Garanto-te. Se não conseguires, mete na cabeça que Portugal não é o sítio onde queres exercer essa profissão. Vai por mim...

4 comentários:

Karen Ussene disse...

Oohhh :( lamento. x

Guinhas disse...

Há tantos esquemas por detrás de certas organizações...que é arrepiante e inacreditável.

Imperatriz Sissi disse...

Minha querida, as boas recordações ficam, o resto é lição. Cresci mais ali - com as coisas más, com as boas, com os momentos surreais - do que em qualquer recruta. Muitas coisas que desabrocharam entretanto saíram de momentos em que olhei para o céu e perguntei " Porquê, Senhor?". E é caso para dizer "it has been a pleasure and an honor to work beside you". Mas confesso que no outro dia fiquei triste que só visto ao fazer uma torrada que me recordou os nossos intervalos no Sr. Albuquerque.

Anne Ant disse...

Tanto que isso me tem passado na cabeça, mas acho que é um pouco mais forte, sendo a ida para fora de Portugal uma boa opção, infelizmente..