quarta-feira, 6 de julho de 2011

Olhar com profundidade

Joan Smalls
Na escola chamávamos-lhe Butterfly. Secretamente. Não por ser gay, mas pelo seu andar característico. Joelhos e cotovelos para dentro, mãos para fora. O balanço exagerado e o pescoço direito. No escuro, reconhecê-lo-ia imediatamente apenas pelo andar. Não sei o nome dele, nunca soube. Chamávamos-lhe Butterfly. Ele nunca soube. Porque na escola se atribuem nomes a toda a gente. Eu própria tive vários, da primeira classe ao décimo segundo ano. Uns engraçados, outros traumatizantes q.b.. De uns soube na altura, de outros, vim a saber anos depois.
Na época em que partilhávamos a mesma escola, ele era o Butterfly e pouco mais. Dificilmente me lembraria que por detrás daquele andar existia uma pessoa, uma personalidade, uma alma. Provavelmente, eu seria também apenas uma personagem para ele. Não pessoa, nem personalidade, nem alma. Uma personagem irritante, provavelmente, que para além dos meus amigos, mais ninguém gostava de mim - e ainda hoje continuamos assim, é verdade. Era só uma betinha arrogante - e ainda hoje continuamos assim, é verdade, porque poucas pessoas crescem o suficiente para ver com profundidade.
Hoje vi o Butterfly, cruzamo-nos frequentemente. Para além do seu olhar de desprezo, nada mais. Ele deve achar que não nutro por si mais que desrespeito. Deve julgar que gozo, que faço chacota, que componho verdadeiras cantigas de escárnio e maldizer sobre a pessoa que aparenta ser. E lamentei que assim fosse, pela primeira vez. Pela primeira vez, senti pena que um desconhecido não visse para além da fachada. Que se limitasse a olhar. Que me rotulasse. Sempre me irritaram os rótulos, é certo. Nunca gostei de ser tomada por fútil sem ter a oportunidade de me dar a conhecer. Mas hoje lamentei. Porque o olhei vendo a pessoa e em troca recebi puro desdém de uns olhos frios.

Sem comentários: